quinta-feira, 19 de março de 2009

Observatório do Céu - por Said Leoni

Tínhamos acabado de descobrir as bebidas alcoólicas, sentávamos na beira da calçada em frente de casa, madrugada já ia a muito, e o entorpecimento fazia com que os pontos luminosos, estrelas, misturassem. Não tinha como ligá-los e formar as poucas constelações que conhecíamos, minha preferida, escorpião.

Falávamos de tudo e pouco lembrávamos no dia seguinte, o calor deixava um fio de suor na testa, brigávamos, e num dia até arriscamos fumar um cigarro mentolado (se nos descobrissem ali essas noites nunca mais poderiam acontecer) livres de todos. Eu nunca mais fumei, você viciou.

Um dia mudei de casa. Disse adeus e te entreguei um maço dos cigarros mentolados, seus preferidos, enfiando-o por dentro de sua blusa, você agarrou minha mão e apertou forte, nos olhos arregalados a tristeza barrou a lágrima (uma saída muito fácil para o sentimento latente), passei a mão em sua nuca em gesto complacente e dei-te as costas para não alongar o que não podia ser evitado.

Todas as mudanças passam, difíceis, longas jornadas para dentro do caos, e a impotência de não saber o que acontecerá ao virar a próxima esquina pode doer, ou apenas nada acontecer. Sem querer encontrei você ao dobrar uma esquina improvável de um bairro desconhecido em uma cidade que não era a nossa, e sorrimos outra vez, com um pingo de medo no fundo de algo que creio eu, sem certeza, ser a alma, por mais diferentes que estávamos daqueles tempos quase remotos, mas relembrados todos os dia antes de fechar os olhos para dormir, instantâneo reconhecimento.

Falamos muito sobre tudo e todos que um dia fizeram parte de nosso universo, pequena casca de noz, dentes alvos não tínhamos mais, alvos da nicotina e do café amargo de todos os dias, pequenas rugas surgiam nas faces não mais inocentes, mas só os olhos brilharem já vinha aquela sensação da incerteza, o não saber o que vai acontecer no próximo minuto, a dor no estomago por causa da ansiedade, as mãos frias, peito em descompasso, aonde você vai depois daqui? Um beijo. Adeus.

Sento só na beira da calçada em frente de casa. É dia e não quero fazer qualquer coisa, olho as formas engraçadas que as nuvens fazem no contraste azul-sei-lá-que-cor do céu, as nuvens se transformam a cada segundo, o vento faz isso e é lindo assim. Quando éramos crianças as estrelas ficavam imóveis em suas fôrmas-constelações, achávamos que seria tudo para sempre e podíamos fumar sem preocupações, hoje tem o trabalho e a rotina do vai e volta, deita-cai, penso na constelação de escorpião e nos antepassados remotos que criam nela ser um deus qualquer, coisa mágica. Escrevo uma carta sem destinatário e guardo-a na gaveta de um móvel do século dezenove, presente de vovó, coisa para a família toda por todas as gerações. Vou dormir um pouco e não vou trabalhar.

Sonho.

segunda-feira, 16 de março de 2009

segunda-feira, 2 de março de 2009

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O Pensamento Vivo de Karl Marx - por Flóqui


Lá fora, a noite chorou - por João Campos Nunes

A conversa fora interrompida por uma ira súbita do lado de lá da linha.
Algumas palavras acabaram saindo mais pesadas do que de costume, poucas gramas mais leve do que o insuportável. Eram palavras com nervos duros, daquelas que mastigamos por um tempo já sabendo que não conseguiremos mesmo engolir.
Houve um silêncio fosco.
Você reteve o vômito e acendeu um cigarro. Duas labaredas de fumaça escorregaram pelo seu nariz simpático, deram duas voltas em torno de si e atravessaram a janela aberta.
Você só conseguiu imaginar um ciúme descabido, um receio simples que têm aqueles que precisam sempre sentir a posse, senti-la como uma maquiagem. Não havia explicação mais sensata, definitivamente.
Então tá bom, beijo.
Outro.
O fone voltou ao gancho nesse instante.
Foi o vento que estapeou o seu rosto. Voaram algumas fagulhas de respeito.
A paixão ouvira toda a conversa, insegura batia o pé e amassava a boca, eu não avisei você?
Lá fora, a noite chorou.
Gotas agora apostavam corrida na janela. O som do pensamento ricocheteava em todos os cantos e derretia tudo o que encontrava pela frente. Veio o costumeiro aperto no tórax, o peito vai encurtando e obrigando o coração a subir pela boca. Sem comentar das lagartas na barriga, arrancando expectativa por expectativa.
A saudade lambeu seu rosto fechado.
Fechado por dentro.
A bituca vermelha rodopiou pela janela, acenou para a chuva e se apagou na sarjeta.
O medo chegou sem pedir licença, com seu sobretudo cor de vácuo e seu rosto mais magro do que se é possível, sentou-se e desandou a soltar conselhos. Conselhos em forma de rojões estourando por todos os lados. Sonhos vermelhos em profusão, rodopiando e urrando até sumir. Enfim não lhe restou mais sonho algum, não nesta noite chorosa, porque você é uma bituca atravessando a janela, querendo se apagar.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Confissões de um mal humorado declarado


O Cantineiro # 2 - versão digital




Segunda edição do carismatico pasquim da cantina mais próxima de sua casa em versão digital total flex para os fãns que não tiveram a oportunidade, ou o oportunismo, de comprá-lo.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Ex-Junkie

O Verdureiro


Panfleto distribuído no dia de feijoada "vegana" na Semana Vegetariana da Unicamp em 2008. (clique nas imagens para ampliá-las)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O Vão - por João Campos Nunes

Ela vinha então vindo mais que sorrindo tão depressa que nem percebestes que já ia partindo, se despedindo, nem ficou talvez.

O coração que saltitava contente, a tino, de tanto que vibrou ficou doente, a boca que salivava secou de repente no escárnio do destino que tornou ausente a sensatez.

O dia que já ia raiando, o céu se amarelando, o orvalho escorregando já foi se acabando, a aurora se estrangulando, se deteriorando, já era noite outra vez.

Eu que estava sendo e tendo o mais que pretendo mal vi que já estava morrendo, se perdendo no que não entendo, e o nada voltou a ocupar tudo, como sempre fez.

MRC


quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

No Caracol - por Said Leoni

Sem pestanejar pegou sua casa e saiu mundo afora, nada na cabeça, para isso não poderia ter preocupações, se não, não faria, não havia sentido fazer, resolveu ser incoerente com tudo o que pregara até então, contudo estava feliz como nunca, sabia que não seria nada fácil, sua casa era mais pesada do que tinha calculado, era um amontoado de tranqueiras que só faziam trazer lembranças boas ou ruins, na verdade com o tempo as lembranças ruins também transformaram-se em boas pois foram aceitas como parte de um todo maior que é o presente, que em si não existe, mas que não cabe aqui divagar por essas besteiras, já que estava com o pé na rua, no asfalto quente de verão com sol a pino, e o suor já brotava na testa, a casa pesava como nunca, nela os talheres dentro das panelas balançavam como chocalhos num ritmo sincopado de samba, ele ia dançando sorridente apesar do peso que lhe doía nos ombros, a mesa arrastava-se de um lado a outro da cozinha que tinha leite no chão, pois a caixa aberta caíra quando este tropeçou em uma pedra, no toca discos disparou uma música estridente, um rock psicodélico dos fins da década de sessenta, o disco que ele mais gostava, e que acabou riscado, já ficava emputecido com tudo isso, não tinha que carregar tudo isso para sobreviver, as roupas no corpo já bastavam, queria explodir a casa que agora era um fardo sem propósito, uma coisa inanimada que não iria trazer-lhe nenhum prazer, decidido, parou, sentou, e tirou a casa das costas, finalmente livre...

Mas caracóis morrem sem suas casas.

Little Vegan Boy


sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Rabiscos - por Leandro Samora


Joaninhas - por João Campos Nunes

Caminhava a menina. Sem saber direito para onde é que ia mesmo. Andava distraída como tanto adorava. Alheia a sina, ao peito e ao que não cabia no tão fugaz agora. Se tudo correr bem, a semana que vem será semana passada - pensava.
Fingia-se de Ana, pois Ana anda sempre a nada que anda à Ana também. O nada que engana Ana, dizendo-se tudo aquilo que Ana tem, que Ana não tem mais que ninguém. Ah, mas Ana ama tudo aquilo que tem, ama sim.
A lua da tarde já ululava tranqüila quando a garota outra vez pensou que seu pensar teria o poder de mudar, talvez, o destino. Quem sabe, sonhou, um tão belo crepúsculo não mereceria uma garoazinha fina. E não é, que sem demora uma bonita nuvem se pôs a precipitar fazendo o capricho da menina, que se perdeu em tanto acreditar?
Quando depois imaginou um minúsculo beija-flor adejando-se ao seu redor e lhe contando os segredos do amor quase que trombou com a ave que lhe cantava uma canção bastante muda, embora soubesse que ela nunca, nunca, poderia esquecer-se da letra. Afinal, poesia é poesia, acreditava.
Que alegria, não sabia ao certo, mas parecia que ela era ao mesmo tempo a nuvem e o pássaro esperto. Sentiu-se, pois, como eles e depois viu que não havia assim lá tanta diferença entre o que se acredita e o que se credita à realidade comum.
Tudo no mundo parecia-lhe em harmonia. Os carros, os fracos, o asfalto, os medos, os erros, a coragem, a verdade, as luzes. Tudo era uma coisa apenas, e ela poderia jurar que ela era essa coisa única. E a vida lhe pareceu bastante amena.
Porém, não há quem saiba muito bem, como é que acaba a história da menina que controlava o destino. Acredita-se que ela acabou sumindo em um desatino. Pois de tanto se sentir em tudo começou a se confundir onde era que ela começava e aonde terminaria, e não mais pôde distinguir-se na tênue linha limítrofe entre verdade e fantasia. Ficando presa para sempre em todas as coisas, e há quem diga que todas as coisas são, também, essa menina que acabamos sempre perdendo no caminho.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Jovem Jesus - por Leandro Samora


Arca de Noé - por Said Leoni

E de repente acordou e não conseguiu controlar a imensa vontade do choro que brotara do pé de seus olhos, assim como uma criança manhosa que desaba em lágrimas após ter deixado o doce cair no asfalto, não controlava os soluços que pareciam cada vez mais fundos no peito, não sabia ao certo o que acontecia, com a vista embaçada observava a parede branca de seu quarto e um sentimento de vazio dominava sua mente, cambaleou até a porta e trancou-a para que ninguém presenciasse esta cena absurda, sentia-se como um jesus na cruz tendo que suportar todas as dores da humanidade, e mesmo não acreditando em anjos olhou para o teto implorando misericórdia, e chorou mais e mais, até que sua camisa se encharcasse e o nariz ardesse de tanto escorrer viscoso ranho, sentiu-se como os velhos que choram à toa pelos tempos passados, como as mães que perdem seus filhos prematuramente, e os enamorados que se separam indefinidamente mesmo querendo permanecer juntos, chorou pelos pobres que moram nas favelas sitiadas, pelos que passam fome e pelos que precisam de umas doses de pinga pela manhã para continuarem vivendo, chorou pela borboleta que só vive um dia e pelos animais em extinção, pela flor que amassara no dia anterior, chorou também as lembranças de quando era criança e não sabia muitas coisas da vida, chorou a vida, a morte e as incertezas e reticências, chorou também de felicidade mesmo não entendendo porque o fazia, chorou tanto e tudo que seus olhos secaram ao passo que seu quarto vinha alagado, e não sabendo nadar, morreu afogado de tanto chorar.

Traços


quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Globalização - por João Campos Nunes

Estação de trem do Brás. Oito horas da manhã de uma segunda feira chuvosa. Milhares se aglutinam - ocupando sim, o mesmo espaço - em busca das escadas rolantes, que muito estressadas a essa hora da manhã costumam parar - pura birra. Tudo na mais perfeita desordem. Contudo, algo chamava a atenção:
Um totem, com dois metros de altura ao meio do caminho. Aos que sabiam - e o tinham como hábito - ler, a situação causava ainda maior estranheza. Diziam letras vermelhas: "Pressione o botão para retirar cem dólares, contudo, um chinês será morto".
Um senhor de alguma idade parou em frente ao botão vermelho e parecia refletir sobre a situação, um pouco depois foi embora coçando a cabeça. Dois ou três jovens agora liam e reliam os dizeres, seus olhos iam do botão até a gavetinha igual à de caixas eletrônicos onde supostamente sairia o dinheiro. Quando já se formara uma grande roda de pessoas envolta do totem, ouvia-se de tudo:
- É pegadinha, olha a câmera lá. - Disse uma senhora
- Será que é de verdade?
- Como assim, a vida de um ser humano por cem dólares?
- Um chinês a mais ou a menos.
- Disse um motoqueiro que deu dois passos adiante e pressionou o botão.
A máquina gemeu, um barulho de guilhotina ecoou pela estação. Depois a gavetinha se abriu e uma nota verde vibrou aliviada. O motoqueiro estava pasmo, puxou a nota, verificou se era verdadeira e abriu espaço na multidão, mais pasma que ele. Uma vaia se esboçou, mas foi logo amordaçada. A estação virou um caos. Centenas se confundiam um com as pernas dos outros, não se sabia qual era entre tantas a sua mão, todos buscavam o botão. Um visor laranja acima do totem contava, e subia rapidamente. Só se ouvia gritos de discórdia Essa nota é minha, ou esse chinês era meu! E a máquina guilhotinava e agradecia gentil com outra nota, e outra e outra vez.
É a fralda das crianças, pensavam, se eu não pegar esse dinheiro quem vai morrer sou eu, não deve ser verdade. Alguém até soltou:
Que negócio da china!
Quando o visor contava dez mil. A máquina se silenciou. Só depois de algum tempo as pessoas se convenceram que a máquina tinha cansado de tanto sangue. E começaram a voltar a suas vidas normais, contudo duzentos reais menos pobres. A culpa repartida não deveria vir cobrá-los.
Estação de trem de Pequim. Oito horas da manhã de uma segunda feira chuvosa. Milhares se aglutinam em busca das escadas rolantes, que muito estressadas a essa hora da manhã costumam parar. Contudo, algo chamava a atenção: Um totem, com dois metros de altura ao meio do caminho. Diziam letras vermelhas: "Pressione o botão para suicidar-se e doar cem dólares para um brasileiro".

Macho Man # 1


Metamorfoses de Eva


segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Little Vegan Boy


Cabeças


Homem- Pássaro


Go Back!

Salve salvem...
leitores.

Estamos aí para mais um ano de muita coisa boa, e um milhão de ruins...
começamos bem já com a invasão israelense na Faixa de Gaza que não esperou nem o ano começar direito para acontecer...
quanto aos cantineiros de plantão... desejamos muito café e pão de queijo... e que ele não seja borrachudo como os do ano que se passou...
abraços para todos...

Cantineiro da Silva