sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Joaninhas - por João Campos Nunes

Caminhava a menina. Sem saber direito para onde é que ia mesmo. Andava distraída como tanto adorava. Alheia a sina, ao peito e ao que não cabia no tão fugaz agora. Se tudo correr bem, a semana que vem será semana passada - pensava.
Fingia-se de Ana, pois Ana anda sempre a nada que anda à Ana também. O nada que engana Ana, dizendo-se tudo aquilo que Ana tem, que Ana não tem mais que ninguém. Ah, mas Ana ama tudo aquilo que tem, ama sim.
A lua da tarde já ululava tranqüila quando a garota outra vez pensou que seu pensar teria o poder de mudar, talvez, o destino. Quem sabe, sonhou, um tão belo crepúsculo não mereceria uma garoazinha fina. E não é, que sem demora uma bonita nuvem se pôs a precipitar fazendo o capricho da menina, que se perdeu em tanto acreditar?
Quando depois imaginou um minúsculo beija-flor adejando-se ao seu redor e lhe contando os segredos do amor quase que trombou com a ave que lhe cantava uma canção bastante muda, embora soubesse que ela nunca, nunca, poderia esquecer-se da letra. Afinal, poesia é poesia, acreditava.
Que alegria, não sabia ao certo, mas parecia que ela era ao mesmo tempo a nuvem e o pássaro esperto. Sentiu-se, pois, como eles e depois viu que não havia assim lá tanta diferença entre o que se acredita e o que se credita à realidade comum.
Tudo no mundo parecia-lhe em harmonia. Os carros, os fracos, o asfalto, os medos, os erros, a coragem, a verdade, as luzes. Tudo era uma coisa apenas, e ela poderia jurar que ela era essa coisa única. E a vida lhe pareceu bastante amena.
Porém, não há quem saiba muito bem, como é que acaba a história da menina que controlava o destino. Acredita-se que ela acabou sumindo em um desatino. Pois de tanto se sentir em tudo começou a se confundir onde era que ela começava e aonde terminaria, e não mais pôde distinguir-se na tênue linha limítrofe entre verdade e fantasia. Ficando presa para sempre em todas as coisas, e há quem diga que todas as coisas são, também, essa menina que acabamos sempre perdendo no caminho.

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