terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Lá fora, a noite chorou - por João Campos Nunes

A conversa fora interrompida por uma ira súbita do lado de lá da linha.
Algumas palavras acabaram saindo mais pesadas do que de costume, poucas gramas mais leve do que o insuportável. Eram palavras com nervos duros, daquelas que mastigamos por um tempo já sabendo que não conseguiremos mesmo engolir.
Houve um silêncio fosco.
Você reteve o vômito e acendeu um cigarro. Duas labaredas de fumaça escorregaram pelo seu nariz simpático, deram duas voltas em torno de si e atravessaram a janela aberta.
Você só conseguiu imaginar um ciúme descabido, um receio simples que têm aqueles que precisam sempre sentir a posse, senti-la como uma maquiagem. Não havia explicação mais sensata, definitivamente.
Então tá bom, beijo.
Outro.
O fone voltou ao gancho nesse instante.
Foi o vento que estapeou o seu rosto. Voaram algumas fagulhas de respeito.
A paixão ouvira toda a conversa, insegura batia o pé e amassava a boca, eu não avisei você?
Lá fora, a noite chorou.
Gotas agora apostavam corrida na janela. O som do pensamento ricocheteava em todos os cantos e derretia tudo o que encontrava pela frente. Veio o costumeiro aperto no tórax, o peito vai encurtando e obrigando o coração a subir pela boca. Sem comentar das lagartas na barriga, arrancando expectativa por expectativa.
A saudade lambeu seu rosto fechado.
Fechado por dentro.
A bituca vermelha rodopiou pela janela, acenou para a chuva e se apagou na sarjeta.
O medo chegou sem pedir licença, com seu sobretudo cor de vácuo e seu rosto mais magro do que se é possível, sentou-se e desandou a soltar conselhos. Conselhos em forma de rojões estourando por todos os lados. Sonhos vermelhos em profusão, rodopiando e urrando até sumir. Enfim não lhe restou mais sonho algum, não nesta noite chorosa, porque você é uma bituca atravessando a janela, querendo se apagar.

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